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terça-feira, 2 de setembro de 2014

Mãos Milagrosas

Surgiam as primeiras claridades do sol cingindo o horizonte e Bartolomeu descia de Caná, rumando para Cafarnaum, onde juntamente com os demais discípulos, acompanharia Jesus na pregação junto ao lago Tiberíades.
Rememorava saudoso seus tempos de criança, quando ele e Nacife corriam por aqueles campos, aurindo o olor das flores agrestes a pleno oxigênio da inocência.
Como seria bom, pensava, se o seu melhor amigo de infância pudesse compartilhar com ele do doce e instrutivo convívio com o Messias. Mas Nacife mudara-se de Caná, sem jamais dar notícias. Sabia que seus pais aventuraram no alto comércio, conseguindo considerável fortuna e nunca retornaram à modesta cidade. Perdera o contato, sentia saudades...
Depois da longa caminhada, começava a avistar as humildes moradias que se acercavam da área central de Cafarnaum. Sentia no ar algo diferente, sua emotividade assim revelava. O que seria, algo estaria para acontecer? E assim, demandou entre os casebres, até perceber que aproximava-se da praça, pelo burburinho que se ouvia em torno de Jesus.
Bartolomeu, na esperança de que a turba se afastaria em seguida, passou a aguardar o Messias à distância, no ponto por onde ele forçosamente teria que passar. Foi quando alguém aproximou-se dizendo com alegria:


–Vem de lá um abraço, meu velho amigo Bartolomeu!
O discípulo olhou com ar de surpresa e indagou:
–Não me diga que tu és Nacife?
–Em carne e osso! – Confirmou.
Naquele momento, os velhos amigos festejaram o reencontro, com efusivas manifestações de carinho. Mas passados breves minutos, Nacife explicava o motivo de sua presença naquele local, por onde o Nazareno costumeiramente peregrinava:
–Até agora consegui tudo o que sempre almejei em termos materiais. Minha riqueza atravessa as fronteiras, instalando-se inclusive, nas plagas de Jerusalém e Betsaida. Mas ao ver tanta miséria e enfermidades a maltratarem os menos favorecidos, resolvi dar-lhes, não somente os pães e os peixes que venham mitigar-lhes a fome, mas, sobretudo, a saúde que considero o fator importante para que uma criatura seja feliz.
–E como pretendes oferecer restabelecimento, já que nas imediações existem irmãos portadores de doenças irreversíveis, assim como a lepra?
–Pretendo curá-los com minhas próprias mãos! Jesus não tem feito isso?
–Mas o Mestre detém uma ciência que ainda desconhecemos – Argumentou Bartolomeu.
–Entretanto, o domínio desses valores também poderemos ter – Rebateu Nacife – Por isso solicitarei ao Mestre que me ensine a curar! Desejo que minhas mãos sejam igualmente milagrosas! Para tanto, o abordarei assim que ele estiver passando por este local.
–Não faça isso, por favor – Pediu o discípulo – Jesus é deveras solicitado por necessidades maiores e não poderá atendê-lo nesse sentido.
–Olhe o Messias, caminha em nossa direção! Vou abordá-lo...
–Por favor, não se atreva!
Mas assim que Jesus se aproximou, Nacife deu um passo adiante e solicitou emocionado:
–Mestre, desejo que me ensine a arte de curar! Não descansarei enquanto minhas mãos não se tornarem milagrosas! Atenda ao meu pedido, desejo permanecer ao Teu lado!
–Permanecer ao meu lado? – Indagou o Messias – Trilharás entre as areias do deserto e beberás do meu cálice?
–Farei tudo para permanecer ao Teu lado! – afirmou convicto – Terás em mim um fiel servidor!
–Então anuncias a presença de minha palavra em tua residência, no dia de amanhã, quando o sol estiver despedindo-se no horizonte.
–Farei o que me pedes.
Sob o olhar atônito de Bartolomeu, Nacife alardeava alegria ao esfregar as mãos e a convidar a todos que visitassem sua residência.
–Venham, Jesus estará em minha casa!
No dia e hora marcados, a mansão de Nacife recebia as mais diferentes criaturas, que ele vivenciando todo requinte e luxúria não imaginava receber em sua casa. Eram crianças sujas e semi-desnudas, que tossiam enquanto caminhavam ao lado de suas mães, que sustentavam recém- nascidos nos braços descarnados. Eram velhos, cujos passos atravancados pelo tempo, dificultavam a passagem dos leprosos, que ganhavam a luxuosa sala da vivenda, até então, ionizada por incensos aromáticos.
Nacife torcia o próprio nariz, quando Jesus assomou ao portão, acompanhado pelos discípulos, inclusive pelo amigo Bartolomeu.
A emoção foi tamanha, que o anfitrião não sabia como comportar-se. Determinou para que os serviçais estendessem enorme tapete, que somente era utilizado, quando da recepção de personalidades ligadas ao Imperador.
Mansão superlotada e Jesus falava àquele povo sofrido, sobre as bem-aventuranças e ao fazer pequena pausa, Nacife observou:
–Mestre, essas crianças tossem em demasia! Como curá-las?
–Aquele mel silvestre – Disse Jesus – Que colheste na última primavera, possui importante valor para esse tipo de sintoma.
Assim foi feito, Nacife serviu do puro mel em favor daquelas crianças.
Na segunda pausa, o dono da casa, mencionou o fato de que os velhos estavam tiritando de frio. Ao que Jesus sugeriu:
        –Aqueles tecidos trazidos da Pérsia, cuja finalidade seria aquecer os visitantes de sua amizade, podem ser retalhados para que se multipliquem em favor deles.
–Os tecidos comprados na Pérsia, Senhor??? Custou-me uma fortuna!!
Depois de multiplicados em pedaços o rico tecido, foi colocado sobre os ombros dos anciãos.
Quando o Mestre encerrava as considerações, deixando aquela gente sofrida com novas esperanças, Nacife fez um gesto significativo e considerou:
–Querido Mestre, parece que todos nós ficaremos abastecidos de bem aventuranças, porém, noto que os leprosos ainda gemem!
–Sim, Nacife, para amenizar, o linimento de flora agreste que guardas no teu celeiro. Embebe-o em lenço alvo e aplique-o sobre as macerações dos teus irmãos.
–Eu, Senhor?? – Titubeou.
–Sim – e aguardemos os resultados.
Ao fim do encontro, quando Jesus já ensaiava as despedidas, Nacife observou:
–Mestre, as crianças deixaram de tossir, os velhos já não sentem frio e os nossos irmãos leprosos, não reclamam de dor!
–Então Nacife, como vês, agora as tuas mãos também obram prodígios.
Aquela experiência foi tão gratificante para o novo discípulo, que algumas semanas depois, fomos encontrar no vale dos leprosos a figura risonha de Nacife, servindo alimento e remédio aos enfermos em estados termináveis. Alguns anos durou essa dedicação, até que também, acometido pela enfermidade, recostado ao barranco do portão do vale, sentiu que as forças se esvaiam, mas, quando voltou o olhar cansado para o alto, sua visão deslumbrou-se diante de tamanha claridade.
–Quem és – Perguntou de voz sumida.
–Sou Jesus e vim te buscar, para que permaneças sempre ao meu lado.
–Não fiz nada, Senhor, para merecer tanto!?
–Tuas mãos curaram principalmente teu espírito. Vem comigo!

Euzébio

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