Surgiam as
primeiras claridades do sol cingindo o horizonte e Bartolomeu descia de Caná,
rumando para Cafarnaum, onde juntamente com os demais discípulos, acompanharia
Jesus na pregação junto ao lago Tiberíades.
Rememorava saudoso
seus tempos de criança, quando ele e Nacife corriam por aqueles campos, aurindo
o olor das flores agrestes a pleno oxigênio da inocência.
Como seria bom,
pensava, se o seu melhor amigo de infância pudesse compartilhar com ele do doce
e instrutivo convívio com o Messias. Mas Nacife mudara-se de Caná, sem jamais
dar notícias. Sabia que seus pais aventuraram no alto comércio, conseguindo
considerável fortuna e nunca retornaram à modesta cidade. Perdera o contato,
sentia saudades...
Depois da longa
caminhada, começava a avistar as humildes moradias que se acercavam da área
central de Cafarnaum. Sentia no ar algo diferente, sua emotividade assim
revelava. O que seria, algo estaria para acontecer? E assim, demandou entre os
casebres, até perceber que aproximava-se da praça, pelo burburinho que se ouvia
em torno de Jesus.
Bartolomeu, na
esperança de que a turba se afastaria em seguida, passou a aguardar o Messias à
distância, no ponto por onde ele forçosamente teria que passar. Foi quando
alguém aproximou-se dizendo com alegria:
–Vem de lá um
abraço, meu velho amigo Bartolomeu!
O discípulo olhou
com ar de surpresa e indagou:
–Não me diga que tu
és Nacife?
–Em carne e osso! –
Confirmou.
Naquele momento, os
velhos amigos festejaram o reencontro, com efusivas manifestações de carinho.
Mas passados breves minutos, Nacife explicava o motivo de sua presença naquele
local, por onde o Nazareno costumeiramente peregrinava:
–Até agora consegui
tudo o que sempre almejei em termos materiais. Minha riqueza atravessa as
fronteiras, instalando-se inclusive, nas plagas de Jerusalém e Betsaida. Mas ao
ver tanta miséria e enfermidades a maltratarem os menos favorecidos, resolvi
dar-lhes, não somente os pães e os peixes que venham mitigar-lhes a fome, mas,
sobretudo, a saúde que considero o fator importante para que uma criatura seja
feliz.
–E como pretendes
oferecer restabelecimento, já que nas imediações existem irmãos portadores de
doenças irreversíveis, assim como a lepra?
–Pretendo curá-los
com minhas próprias mãos! Jesus não tem feito isso?
–Mas o Mestre detém
uma ciência que ainda desconhecemos – Argumentou Bartolomeu.
–Entretanto, o
domínio desses valores também poderemos ter – Rebateu Nacife – Por isso
solicitarei ao Mestre que me ensine a curar! Desejo que minhas mãos sejam
igualmente milagrosas! Para tanto, o abordarei assim que ele estiver passando
por este local.
–Não faça isso, por
favor – Pediu o discípulo – Jesus é deveras solicitado por necessidades maiores
e não poderá atendê-lo nesse sentido.
–Olhe o Messias,
caminha em nossa direção! Vou abordá-lo...
–Por favor, não se
atreva!
Mas assim que Jesus
se aproximou, Nacife deu um passo adiante e solicitou emocionado:
–Mestre, desejo que
me ensine a arte de curar! Não descansarei enquanto minhas mãos não se tornarem
milagrosas! Atenda ao meu pedido, desejo permanecer ao Teu lado!
–Permanecer ao meu
lado? – Indagou o Messias – Trilharás entre as areias do deserto e beberás do
meu cálice?
–Farei tudo para
permanecer ao Teu lado! – afirmou convicto – Terás em mim um fiel servidor!
–Então anuncias a
presença de minha palavra em tua residência, no dia de amanhã, quando o sol
estiver despedindo-se no horizonte.
–Farei o que me
pedes.
Sob o olhar atônito
de Bartolomeu, Nacife alardeava alegria ao esfregar as mãos e a convidar a
todos que visitassem sua residência.
–Venham, Jesus
estará em minha casa!
No dia e hora
marcados, a mansão de Nacife recebia as mais diferentes criaturas, que ele
vivenciando todo requinte e luxúria não imaginava receber em sua casa. Eram
crianças sujas e semi-desnudas, que tossiam enquanto caminhavam ao lado de suas
mães, que sustentavam recém- nascidos nos braços descarnados. Eram velhos,
cujos passos atravancados pelo tempo, dificultavam a passagem dos leprosos, que
ganhavam a luxuosa sala da vivenda, até então, ionizada por incensos
aromáticos.
Nacife torcia o
próprio nariz, quando Jesus assomou ao portão, acompanhado pelos discípulos,
inclusive pelo amigo Bartolomeu.
A emoção foi
tamanha, que o anfitrião não sabia como comportar-se. Determinou para que os
serviçais estendessem enorme tapete, que somente era utilizado, quando da
recepção de personalidades ligadas ao Imperador.
Mansão superlotada
e Jesus falava àquele povo sofrido, sobre as bem-aventuranças e ao fazer
pequena pausa, Nacife observou:
–Mestre, essas
crianças tossem em demasia! Como curá-las?
–Aquele mel
silvestre – Disse Jesus – Que colheste na última primavera, possui importante
valor para esse tipo de sintoma.
Assim foi feito,
Nacife serviu do puro mel em favor daquelas crianças.
Na segunda pausa, o
dono da casa, mencionou o fato de que os velhos estavam tiritando de frio. Ao
que Jesus sugeriu:
–Aqueles tecidos trazidos da Pérsia, cuja finalidade seria aquecer os visitantes de sua amizade, podem ser retalhados para que se multipliquem em favor deles.
–Aqueles tecidos trazidos da Pérsia, cuja finalidade seria aquecer os visitantes de sua amizade, podem ser retalhados para que se multipliquem em favor deles.
–Os tecidos
comprados na Pérsia, Senhor??? Custou-me uma fortuna!!
Depois de
multiplicados em pedaços o rico tecido, foi colocado sobre os ombros dos
anciãos.
Quando o Mestre
encerrava as considerações, deixando aquela gente sofrida com novas esperanças,
Nacife fez um gesto significativo e considerou:
–Querido Mestre,
parece que todos nós ficaremos abastecidos de bem aventuranças, porém, noto que
os leprosos ainda gemem!
–Sim, Nacife, para
amenizar, o linimento de flora agreste que guardas no teu celeiro. Embebe-o em
lenço alvo e aplique-o sobre as macerações dos teus irmãos.
–Eu, Senhor?? –
Titubeou.
–Sim – e aguardemos
os resultados.
Ao fim do encontro,
quando Jesus já ensaiava as despedidas, Nacife observou:
–Mestre, as
crianças deixaram de tossir, os velhos já não sentem frio e os nossos irmãos
leprosos, não reclamam de dor!
–Então Nacife, como
vês, agora as tuas mãos também obram prodígios.
Aquela experiência
foi tão gratificante para o novo discípulo, que algumas semanas depois, fomos
encontrar no vale dos leprosos a figura risonha de Nacife, servindo alimento e
remédio aos enfermos em estados termináveis. Alguns anos durou essa dedicação,
até que também, acometido pela enfermidade, recostado ao barranco do portão do
vale, sentiu que as forças se esvaiam, mas, quando voltou o olhar cansado para
o alto, sua visão deslumbrou-se diante de tamanha claridade.
–Quem és –
Perguntou de voz sumida.
–Sou Jesus e vim te
buscar, para que permaneças sempre ao meu lado.
–Não fiz nada,
Senhor, para merecer tanto!?
–Tuas mãos curaram
principalmente teu espírito. Vem comigo!
Euzébio
Nenhum comentário:
Postar um comentário