Doces recordações envolviam
Madalena. Não raramente, ela mesma surpreendia-se murmurando o nome de Jesus,
enquanto o brilho de uma lágrima embaçava a sua visão.
O passado de luxo e prazeres,
acompanhavam-lhe quais sombras que o tempo insistia em exibir indeléveis. Até
mesmo os discípulos do Nazareno negaram-lhe o direito de acompanhá-los, temendo
a desaprovação pública. O episódio durante o banquete em Naim, quando ungiu os
pés do mestre, com bálsamo de altivo olor. O abandono de todas as riquezas de
que era possuidora, passando com tal decisão a experimentar as vicissitudes da
miséria na própria Magdala, não apagaram a pecha de adúltera.
Em Jerusalém, mercadores
compraziam-se em atirar-lhe despautérios, com picantes gracejos em meio à feira
livre:
–Uma fruta em troca de um
favor? É aceitar ou largar, bela dona!- Dizia o homem de meia idade.
–Não se atreva Kalil, eu a vi
primeiro!- gracejava um rapaz.
Junto à banca de alcaparras,
escolhia frutos, quando alguém tocou seu ombro, dizendo:
–Aborrecida com as ofensas?
–Abdias, bom amigo! Que alegria
em revê-lo, seja bem vindo à Jerusalém, cidade dos profetas. Mas afinal, qual a
razão de seu afastamento de Dalmanuta?
–Madalena, você conhece a
história de minha família, pois foi muito amiga de Olívia, aquela que veio a
ser minha esposa, cujos encantos impressionavam de Magdala a Dalmanuta. Essa
mulher presenteou-me com três filhos lindos que lhe copiaram os traços
perfeitos.
Certo dia, negras nuvens
marcaram nossas existências, Olívia notou, num instante em que amamentava
Plínio, o nosso caçula, que tinham aparecido pequenas manchas violáceas em seus
seios, depois, com o passar do tempo, transformaram-se em pústulas que ganharam
o colo e alteraram-lhe as faces, outrora lindas, em disformes macerações.
A narração de Abdias foi
dificultada pelas lágrimas doloridas. Respirou profundamente para continuá-la
enquanto caminhavam:
–Bateu o desespero em toda a
minha família que, receando o contágio, aconselharam-me a interná-la aqui em
Jerusalém no Vale dos Leprosos.
–Veio visitá-la?- indagou
Maria.
–Tenho feito tentativas. Já
estive aqui por diversas vezes, entretanto, não tive coragem de chegar ao vale.
Conhecendo-me, sei que ao vê-la não suportaria e a levaria de volta para junto
de meus filhos que vivem a chorar saudades de sua mãe.
–Chegamos!- anunciou Maria, ao
indicar o casebre paupérrimo- Entre por favor, eu servirei um chá.
Abdias, meio sem jeito, olhou
para os lados para certificar-se de que ninguém estaria os observando, e entrou
sentando-se em seguida sobre o velho caixote, que se oferecia junto à mesa e
pensava:
Aqueles mercadores estão certos
quanto ao juízo que fazem dessa mulher. Trazer-me em sua casa sem a companhia
de mais ninguém? É difícil acreditar! Pensei que ela havia realmente se
regenerado. Estava ainda remoendo suas dúvidas e suspeitas, quando Madalena
afirmou:
–A viagem de retorno é muito
longa. Descanse por aqui esta noite e não se arrependerá.
Praticamente sem ação, Abdias
deixou-se conduzir pela pecadora que, ao mesmo tempo, abria a porta de seu
quarto. Entretanto, assim que a claridade invadiu o aposento, o homem, tomado
de surpresa, gritou:
–Olívia! Você aqui! No leito de
Madalena?...
–Sim, meu querido! Ela
recolheu-me do vale dos leprosos, a partir daí passou a tratar minhas feridas,
reconfortando meu espírito afirmando que muito em breve você viria buscar-me...
Do
Espírito Euzébio.
Psicografia
de Alvaro Basile Portughesi.
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