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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A Pecadora

Doces recordações envolviam Madalena. Não raramente, ela mesma surpreendia-se murmurando o nome de Jesus, enquanto o brilho de uma lágrima embaçava a sua visão.
O passado de luxo e prazeres, acompanhavam-lhe quais sombras que o tempo insistia em exibir indeléveis. Até mesmo os discípulos do Nazareno negaram-lhe o direito de acompanhá-los, temendo a desaprovação pública. O episódio durante o banquete em Naim, quando ungiu os pés do mestre, com bálsamo de altivo olor. O abandono de todas as riquezas de que era possuidora, passando com tal decisão a experimentar as vicissitudes da miséria na própria Magdala, não apagaram a pecha de adúltera.
Em Jerusalém, mercadores compraziam-se em atirar-lhe despautérios, com picantes gracejos em meio à feira livre:
–Uma fruta em troca de um favor? É aceitar ou largar, bela dona!- Dizia o homem de meia idade.
–Não se atreva Kalil, eu a vi primeiro!- gracejava um rapaz.
Junto à banca de alcaparras, escolhia frutos, quando alguém tocou seu ombro, dizendo:
–Aborrecida com as ofensas?
–Abdias, bom amigo! Que alegria em revê-lo, seja bem vindo à Jerusalém, cidade dos profetas. Mas afinal, qual a razão de seu afastamento de Dalmanuta?
–Madalena, você conhece a história de minha família, pois foi muito amiga de Olívia, aquela que veio a ser minha esposa, cujos encantos impressionavam de Magdala a Dalmanuta. Essa mulher presenteou-me com três filhos lindos que lhe copiaram os traços perfeitos.
Certo dia, negras nuvens marcaram nossas existências, Olívia notou, num instante em que amamentava Plínio, o nosso caçula, que tinham aparecido pequenas manchas violáceas em seus seios, depois, com o passar do tempo, transformaram-se em pústulas que ganharam o colo e alteraram-lhe as faces, outrora lindas, em disformes macerações.
A narração de Abdias foi dificultada pelas lágrimas doloridas. Respirou profundamente para continuá-la enquanto caminhavam:
–Bateu o desespero em toda a minha família que, receando o contágio, aconselharam-me a interná-la aqui em Jerusalém no Vale dos Leprosos.
–Veio visitá-la?- indagou Maria.
–Tenho feito tentativas. Já estive aqui por diversas vezes, entretanto, não tive coragem de chegar ao vale. Conhecendo-me, sei que ao vê-la não suportaria e a levaria de volta para junto de meus filhos que vivem a chorar saudades de sua mãe.
–Chegamos!- anunciou Maria, ao indicar o casebre paupérrimo- Entre por favor, eu servirei um chá.
Abdias, meio sem jeito, olhou para os lados para certificar-se de que ninguém estaria os observando, e entrou sentando-se em seguida sobre o velho caixote, que se oferecia junto à mesa e pensava:
Aqueles mercadores estão certos quanto ao juízo que fazem dessa mulher. Trazer-me em sua casa sem a companhia de mais ninguém? É difícil acreditar! Pensei que ela havia realmente se regenerado. Estava ainda remoendo suas dúvidas e suspeitas, quando Madalena afirmou:
–A viagem de retorno é muito longa. Descanse por aqui esta noite e não se arrependerá.


Praticamente sem ação, Abdias deixou-se conduzir pela pecadora que, ao mesmo tempo, abria a porta de seu quarto. Entretanto, assim que a claridade invadiu o aposento, o homem, tomado de surpresa, gritou:
–Olívia! Você aqui! No leito de Madalena?...
–Sim, meu querido! Ela recolheu-me do vale dos leprosos, a partir daí passou a tratar minhas feridas, reconfortando meu espírito afirmando que muito em breve você viria buscar-me...

Do Espírito Euzébio.

Psicografia de Alvaro Basile Portughesi.

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