Antes que o sol se escondesse no horizonte, Jesus costumeiramente
acercava-se do lago Tiberíades para sua pregação vespertina. Numa dessas tardes
em que o Mestre, utilizando sua luminescência verbal, conclamava o povo para o
devido desprendimento, argumentando ser a renúncia importante estrada de acesso
à verdadeira felicidade, uma jovem mulher, ousando interromper a exposição do
Messias, dirigi-lhe a palavra:
–Mestre!
Meu esposo sempre representou para mim a verdadeira felicidade. Porém, há algum
tempo desapareceu sem que ninguém
pudesse informar-me sobre seu paradeiro. Estou vivendo ansiosa espera sem,
contudo receber quaisquer notícias de meu estimado companheiro, pergunto-lhe,
como poderia eu utilizar essa renúncia a
ponto de consegui-lo de volta? Sei que para o Senhor, problemas aparentemente
insolúveis tem encontrado uma saída, entretanto, meu caso tem se revelado
difícil e por isso de amargurada
desesperança...
Jesus,
depois de observar a mulher demoradamente, ergue o olhar magnânimo em direção
ao suave marulhar do lago como se estivesse vivendo profunda reflexão afirmou:
–Ainda hoje pela manhã um menino bateu à sua porta implorando
alimentação tanto para ele quanto para a sua família. Trazia no semblante
triste as marcas de acentuado sofrimento.
–Sim! Tratava-se de um garoto bastante franzino!- exclama com surpresa
a mulher. No momento em que ele esmolava confesso que me encontrava por demais
revoltada com a situação.
–Você
ofereceu-lhe um pão?
–Não,
mestre, nada lhe dei! Na verdade o despachei sem mesmo ouvir o que ele tentava
me dizer.
–Da
próxima vez, dê-lhe pão - recomenda Jesus.
–Com
isso terei meu marido de volta?
–Sim!- responde simplesmente o Mestre.
A
mulher se foi toda esperançosa e Jesus prosseguiu em sua pregação. Pedro e
Filipe entreolharam-se preocupados receosos de que a sofrida criatura não
lograsse alcançar o êxito esperado. Notaram que os mais entusiasmados iniciavam
pequenas rodas de apostas, esperando auferir lucros com o desfecho do caso. Com
isso a notícia espalhando-se por toda Cafarnaum suscitara a curiosidade da
população que voltara sua atenção para a rumorosa novidade.
As
autoridades religiosas, incomodadas com o crescimento do número de seguidores
do Nazareno, enviaram espiões na tentativa de que fosse colhido um possível
insucesso de Jesus. Até então, tais tentativas resultaram em repetidos
fracassos, pois, os encarregados das sórdidas empreitadas, longe de levarem
qualquer testemunho negativo em relação aos feitos do Mestre, deslumbrados
diante das suas maravilhas, acabaram convertendo-se à Nova Doutrina.
Na
tarde do dia seguinte, quando Jeusus iniciava suas carinhosas palavras, surge
novamente a mulher que diante de todos, após erguer os dois braços exclamou
lacrimosa:
–Mestre!
Desta vez dei um pão ao menino.
A
população contendo a respiração aguardava impassível revezando o olhar entre a
figura sublime do Messias e da mulher cujo esposo havia misteriosamente
desaparecido. Para uma grande parte dos apostadores a quantia colocada em jogo
representava a raspa de todos os recursos, principalmente no que diz respeito
aos mais simples que confiantes na palavra do Senhor, apostaram suas
moedas.
Relanceando
o olhar pela multidão, Jesus assim que se voltou para a mulher perguntou:
–E
seu marido, voltou?
–Não!
Afirma a mulher em soluços.
Por
alguns segundos a multidão permaneceu em sepulcral silêncio, para em seguida
promover um ensurdecedor vozerio. Os emissários do império e do poder religioso
riam à larga. Finalmente o curandeiro seria desmascarado a ordem voltaria. Mas
para surpresa de todos Jesus disse:
–Então
volte e amanhã, ao invés de um, dê-lhe dois pães.
Lá
se foi a mulher sem muitas esperanças e o povo, que começava também a ficar
impaciente, chegava mesmo a renovar as apostas. Os mais exaltados das duas
facções chegavam as lutas físicas gerando um clima de guerra entre os
assistentes.
No
dia seguinte o fato se repete.
–Mestre!
O menino bateu novamente à minha porta e dei-lhe dois pães, como o senhor havia
recomendado.
–E
seu marido voltou?
–Não!
– responde a mulher em desespero.
A
resposta caiu como a explosão de um trovão em torno do lago. Até mesmo os
discípulos que haviam presenciado os feitos incríveis, como cegos retomando a
visão, leprosos sendo limpos, agora já não guardavam tanta certeza quanto as
possibilidades do Messias. Com isso os maldizentes se aproveitavam promovendo
algazarra. Mas assim que Jesus ergueu a destra a multidão fez silêncio para ouvi-lo dizer:
–Então
retorne e ofereça-lhe três pães por três dias consecutivos.
Aumentou
o número de apostas e a plateia tornava-se cada vez mais impaciente. Por três
dias as pregações transcorreram dentro de um clima de perfeita normalidade, mas
no quarto dia, cerca de duas horas antes da pregação, as margens do Tiberíades
recebiam uma verdadeira multidão que se acotovelava ansiosa para saber o
desfecho do caso da estranha mulher. E, no horário aprazado, aproxima-se a
mulher novamente.
–Mestre,
o menino visitou minha casa por três dias consecutivos e seguindo sua
orientação ofereci-lhe todos os pães recomendados.
Fez-se
o silêncio. Até os discípulos revelavam nos olhos espantados extrema
preocupação. O mestre, mais uma vez, observou longamente a mulher e fez a
clássica pergunta:
–E
seu marido voltou?
–Voltou
mestre, voltou!
Houve
uma gritaria geral. O povo pulava sobre as águas do lago e quando o silêncio se
fez, a mulher dirigiu-se respeitosa a Jesus.
–Mestre,
gostaria de saber qual a relação entre oferecer pães a um garoto e meu marido
voltar?
–Seu
esposo não contou? – Indaga Jesus.
–Ele
somente me informou que todas as tardes um menino franzino olhava para dentro
do poço onde ele havia caído, até que um dia apareceu um rapaz mais forte,
estendeu-lhe uma vara, retirando-o do buraco.
–Mulher!
Esclareceu Jesus – o menino sempre foi o mesmo, mas no primeiro dia o pão que
você lhe ofertou, ele atirou ao poço para que seu esposo pudesse alimentar-se;
no segundo dia, ele atirou um pão e ficou com outro para si; no terceiro dia
ele atirou um e comeu dois. Fortaleceu-se e retirou o seu marido do poço.
A estranha mulher despediu-se agradecida e a multidão quedou-se a meditar.
Psicografia
de Alvaro Basile Portughesi.
Pelo
Espírito Euzébio.
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