Jesus realizava o segundo ano de sua peregrinação
redentora. A fama de suas curas alcançara toda a Galiléia, chegando mesmo a
movimentar a opinião ilustre da época. Fato que ocasionara indignação e
descontentamento nas hostes do Império e principalmente nas cúpulas sacerdotais
que impotentes quanto ao atendimento às camadas mais sofridas sentiam-se
enciumadas, enviando espiões com o intuito de registrarem possíveis deslizes
que pudessem incriminá-lo. Porém, até então, todos que haviam sido designados
com essa missão, maravilhados com os feitos do Cristo, passaram acompanhá-lo,
unindo-se aos demais discípulos.
Foi então que Flaminto, o
Sacerdote em acirrada discussão com os seguidores do Nazareno, fez um desafio:
–Tenho um serviçal que em tempo
idos foi acometido de lepra. Seu estado afigurava-se desesperador, no início em
que a enfermidade implantou-se, as pústulas malcheirosas espalhavam-se ao longo
de seu peito, ganhando o tronco e as faces. Sua aparência repugnante
obrigou-nos a enxotá-lo, foi o período em que Filpo passou a esmolar em meio à
praça pública. Depois de algumas amputações, o mal parou de evoluir, não se
sabe a verdadeira causa dessa enfermidade ter sido interrompida, deixando-lhe
como herança dois pedaços de pau no lugar das antigas pernas. Eis a
oportunidade que teremos para comprovarmos a ineficácia do charlatão!
O sacerdote antes que alguém
pudesse interrompê-lo prosseguiu autoritário:
–Lanço um desafio a todos
vocês, adeptos do feiticeiro! Conclamo àqueles que possuem algum traço de terra
e que desejem se aventurar numa aposta! Colocaremos o nosso latifúndio nessa
refrega. Caso o embusteiro não realize o milagre; seremos inclementes quanto ao
recebimento!
–Aceito! Gritaram alguns, mas
foi Áulico Plínio quem se manifestou ao
tomar a dianteira. Nós cumpriremos o acordo caso Jesus, não efetue a cura, o
que duvidamos, entretanto, não perdoaremos a Igreja e exigiremos o pagamento
assim que Filpo for curado.
–Pois bem -, disse Flaminto-
Estou inclinado a custear-lhe a liteira para que vá ao encontro do feiticeiro
de Nazaré, desde que todos o acompanhemos para assistir a feitiçaria.
As duas facções assim que
oficializaram o acordo, despediram-se de seus respectivos familiares e partiram
em busca de Jesus. Os apostadores vibravam, cada qual aguardando o sucesso de
suas opiniões. Entretanto, Filpo, o aleijado, só queria de volta suas pernas.
Em pouco tempo atingiram a região onde Jesus exercia sua peregrinação,
encontrando-o naquela tarde rodeado de crianças.
Flaminto determinou para que
aguardassem, pois desejava espreitá-lo por algum tempo, atendendo a solicitação
da corte imperial, cujo desejo seria aprisioná-lo assim que o pilhassem em
flagrante delito.
Ocultos pela vegetação,
permaneceram ali, onde exaustos em razão da longa caminhada, recostaram-se nos
mirrados arbustos. Filpo tomado pela ansiedade, fez-se ouvir suplicante:
–Mestre! Quero minhas pernas de
volta!
Jesus, registrando a presença
do aleijado e também dos curiosos que o acompanhavam, com olhar manso e sereno,
voltou-se para Filpo dizendo simplesmente:
–Retoma o teu caminho de volta, não te esqueça de
que, pernas sãs não caminham sobre brasas.
Desconcertado, sem entender o
sentido das palavras de Jesus, Filpo não contesta. Durante o retorno
pilheriavam os céticos e, de quando em vez, Flaminto tocava com uma vara as
pernas de Filpo gracejando:
–Vejam, ainda são de pau! E as
terras de vocês agora pertencem à igreja!
O sol a pino estorricava
obrigando os viajantes a uma pausa, já que uma grande caverna nas imediações
pareceu-lhes convidativa e adequada.
–Entremos, ordena Flaminto,
dirigindo-se principalmente às mulheres e crianças.
Repousavam, quando surge de
repente um bando de malfeitores, que, não satisfeitos em surrupiar-lhes as
liteiras e animais, espalharam galhos e troncos defronte à caverna, atendo fogo
a fim de bloquear a saída.
A lenha, ressequida pelo sol
escaldante, incendiara-se rapidamente. As crianças gritavam assustadas e os
homens tentavam em vão transpor o braseiro que se estendia ameaçador.
Foi então que Filpo,
recordando-se das palavras de Jesus: ``pernas sãs não caminham sobre brasas``,
tomou corajosa decisão: sustentando em seus braços em primeiro lugar as
crianças, transportando-as por sobre o fogaréu com relativa facilidade, pois
suas pernas assim permitiam. Fez o mesmo com todas as demais pessoas,
colocando-as igualmente fora de perigo, inclusive Flaminto, que ainda não
totalmente refeito, abraçou as pernas chamuscadas de Filpo e, chorando,
afirmou:
–Benditas pernas de pau!!
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