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sábado, 30 de agosto de 2014

O Homem da Perna de Pau

Jesus realizava o segundo ano de sua peregrinação redentora. A fama de suas curas alcançara toda a Galiléia, chegando mesmo a movimentar a opinião ilustre da época. Fato que ocasionara indignação e descontentamento nas hostes do Império e principalmente nas cúpulas sacerdotais que impotentes quanto ao atendimento às camadas mais sofridas sentiam-se enciumadas, enviando espiões com o intuito de registrarem possíveis deslizes que pudessem incriminá-lo. Porém, até então, todos que haviam sido designados com essa missão, maravilhados com os feitos do Cristo, passaram acompanhá-lo, unindo-se aos demais discípulos.


Foi então que Flaminto, o Sacerdote em acirrada discussão com os seguidores do Nazareno, fez um desafio:
–Tenho um serviçal que em tempo idos foi acometido de lepra. Seu estado afigurava-se desesperador, no início em que a enfermidade implantou-se, as pústulas malcheirosas espalhavam-se ao longo de seu peito, ganhando o tronco e as faces. Sua aparência repugnante obrigou-nos a enxotá-lo, foi o período em que Filpo passou a esmolar em meio à praça pública. Depois de algumas amputações, o mal parou de evoluir, não se sabe a verdadeira causa dessa enfermidade ter sido interrompida, deixando-lhe como herança dois pedaços de pau no lugar das antigas pernas. Eis a oportunidade que teremos para comprovarmos a ineficácia do charlatão!
O sacerdote antes que alguém pudesse interrompê-lo prosseguiu autoritário:
–Lanço um desafio a todos vocês, adeptos do feiticeiro! Conclamo àqueles que possuem algum traço de terra e que desejem se aventurar numa aposta! Colocaremos o nosso latifúndio nessa refrega. Caso o embusteiro não realize o milagre; seremos inclementes quanto ao recebimento!
–Aceito! Gritaram alguns, mas foi  Áulico Plínio quem se manifestou ao tomar a dianteira. Nós cumpriremos o acordo caso Jesus, não efetue a cura, o que duvidamos, entretanto, não perdoaremos a Igreja e exigiremos o pagamento assim que Filpo for curado.
–Pois bem -, disse Flaminto- Estou inclinado a custear-lhe a liteira para que vá ao encontro do feiticeiro de Nazaré, desde que todos o acompanhemos para assistir a feitiçaria.
As duas facções assim que oficializaram o acordo, despediram-se de seus respectivos familiares e partiram em busca de Jesus. Os apostadores vibravam, cada qual aguardando o sucesso de suas opiniões. Entretanto, Filpo, o aleijado, só queria de volta suas pernas. Em pouco tempo atingiram a região onde Jesus exercia sua peregrinação, encontrando-o naquela tarde rodeado de crianças.
Flaminto determinou para que aguardassem, pois desejava espreitá-lo por algum tempo, atendendo a solicitação da corte imperial, cujo desejo seria aprisioná-lo assim que o pilhassem em flagrante delito.
Ocultos pela vegetação, permaneceram ali, onde exaustos em razão da longa caminhada, recostaram-se nos mirrados arbustos. Filpo tomado pela ansiedade, fez-se ouvir suplicante:
–Mestre! Quero minhas pernas de volta!
Jesus, registrando a presença do aleijado e também dos curiosos que o acompanhavam, com olhar manso e sereno, voltou-se para Filpo dizendo simplesmente:
–Retoma o teu caminho de volta, não te esqueça de que, pernas sãs não caminham sobre brasas.
Desconcertado, sem entender o sentido das palavras de Jesus, Filpo não contesta. Durante o retorno pilheriavam os céticos e, de quando em vez, Flaminto tocava com uma vara as pernas de Filpo gracejando:
–Vejam, ainda são de pau! E as terras de vocês agora pertencem à igreja!
O sol a pino estorricava obrigando os viajantes a uma pausa, já que uma grande caverna nas imediações pareceu-lhes convidativa e adequada.
–Entremos, ordena Flaminto, dirigindo-se principalmente às mulheres e crianças.
Repousavam, quando surge de repente um bando de malfeitores, que, não satisfeitos em surrupiar-lhes as liteiras e animais, espalharam galhos e troncos defronte à caverna, atendo fogo a fim de bloquear a saída.
A lenha, ressequida pelo sol escaldante, incendiara-se rapidamente. As crianças gritavam assustadas e os homens tentavam em vão transpor o braseiro que se estendia ameaçador.
Foi então que Filpo, recordando-se das palavras de Jesus: ``pernas sãs não caminham sobre brasas``, tomou corajosa decisão: sustentando em seus braços em primeiro lugar as crianças, transportando-as por sobre o fogaréu com relativa facilidade, pois suas pernas assim permitiam. Fez o mesmo com todas as demais pessoas, colocando-as igualmente fora de perigo, inclusive Flaminto, que ainda não totalmente refeito, abraçou as pernas chamuscadas de Filpo e, chorando, afirmou:
–Benditas pernas de pau!!

    

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