Já me encontro na Terra há
muitos anos, e além de constatar ao longo desta caminhada as minhas próprias
limitações e desmandos, registrei muitas vezes os resultados tristes das
agressões humanas, sempre oriundas do egoísmo, o grande gerador de misérias,
tanto para o campo moral de quem as provoca, quanto para a esfera de quem sofre
suas investidas.
Embora
contando com apenas cinco anos de idade na época, recordo-me plenamente dos
últimos suspiros da 2a guerra mundial. Esse infausto acontecimento
marcou profundamente minha infância, pois, exatamente nessa ocasião meus pais
se separaram e eu na minha inocência de criança atribui a dissolução do meu lar
ao desentendimento que estava ocorrendo entre as nações.
Sentia-me
indefeso em meio a tudo aquilo que estava ocorrendo, tão inseguro, que sozinho
num pequeno quarto na casa de meus avós, chorando baixinho, pedia a Deus que
reaproximasse meus pais, para que eu tivesse de volta o meu lar, o meu quintal,
a minha segurança.
Estranhava
que a guerra não havia atingido outros lares, já que nas casas vizinhas as
pessoas riam e as crianças brincavam felizes.
Quando
fui matriculado para cursar o primário, dirigia-me à escola sentindo-me como um
Ser à parte da Criação.Durante a caminhada as crianças referiam-se aos pais
como se eles fossem verdadeiros heróis, eu prosseguia calado qual um
estrangeiro em meio a pessoas que pareciam falar outro idioma.
Num
determinado domingo, meu pai esteve lá na casa de meus avós e me senti
imensamente feliz em revê-lo.Depois de algumas horas de alegre convívio quando
todos conversavam animadamente, dele me aproximei e com ares de familiaridade
lhe pedi:
–
Pai me dá uma bola de capotão!
Ele
depois de exibir um sorriso amarelo respondeu:
–
Deixa de asneiras menino!Já cansei de comprar bolas para os meus outros filhos
e os danados as furaram de canivetes!
Aquela
revelação caiu como verdadeira bomba sobre mim. Ele era meu pai, só meu, como
poderia ter outros filhos?
Mas
percebi ao longo da vida que tantas outras pessoas também viviam grandes
problemas...
Encontrei nas esquinas da vida, mães
desnutridas apertando os seios ressequidos nas tentativas frustradas de
amamentar o filho, cujo choro inaudível, não despertava a compaixão do povo que
transitava absorto pelos próprios problemas.
Vi
uma criança correndo completamente nua, no corpo queimado denunciava a explosão
do egoísmo humano nos estertores de impiedosa guerra.Não muito distante dali, nem no tempo, nem geograficamente, assisti aniquilamentos de populações indefesas em nome da segurança, e os resultados mostraram sapatinhos e bonecas em meio aos escombros.Por outro lado, o chamado líder, o patriarca desse povo preferiu ver sua gente ser dizimada por implacável ataque bélico a abandonar o poder numa saída estratégica, dizendo que jamais deixaria o trono, alegando o contra-senso de que assim procedia por amor aos seus.
Assim como as pestes epidêmicas reclamam
providências da ciência para a extinção de tais enfermidades, o clima do mundo pede
socorro contra as atuações monstruosas desses turistas do mal, que ao expelirem
os suores nauseantes de suas almas, poluem a atmosfera do planeta. Sobrevivem
também dos ovos gerados pelas aves distantes, mantidas além de suas cercanias
“invioláveis”, as vampirizam, mas não as beijam, guardando posição defensiva e
quando julgam necessário, simplesmente direcionam seus mísseis para abate-las.
Na verdade, infelizmente tais características
anômalas ainda fazem parte de uma grande parcela da criatura humana que em
maior ou menor escala atira petardos impiedosos, apagando sorrisos, destruindo
lares e sacrificando àqueles que se lhe subordinam.Recordando um velho adágio:
“Conheça o verdadeiro crápula dando a ele alguma espécie de poder”. Sim cometem
os maiores deslizes, sacrificando os semelhantes e alegam com a maior
desfaçatez que o fazem por uma espécie de amor, que certamente não possui o seu
nascedouro no campo das boas intenções.
Existem aqueles que escravizam, outros que exploram
sentimentos e ainda outros que a pretexto de estarem vivendo um momento
especial de muito amor, acabam acenando com um adeus para os filhos que se
limitam entre lágrimas a observa-los na triste despedida.
Assim como os grandes incêndios se originam de uma
minúscula cabeça de fósforo, muitas hecatombes no mundo tiveram os seus
princípios num duelo odioso, aparentemente inconseqüente.Não alcançaremos a Paz
verdadeira enquanto estivermos desrespeitando àqueles chamados indefesos, pois
eles são sem sombras de dúvidas, um teste para que saibamos até que ponto ainda
existe em nós a tendência de usarmos a milenar chibata.
Ainda ontem o choro convulso de
uma criança chamou minha atenção. Condoído aproximei-me de seu portão e
colocando a mão entre as grades acariciei os anéis de seus cabelos, e em
seguida perguntei o porquê de tantas lágrimas, ela fitou-me como se estivesse
sozinha no mundo e respondeu:
– Papai foi
embora de casa...
– Seu papai
estava muito bravo quando se foi?
– Não, ele disse
que estava amando muito outra pessoa...
Todo o meu passado veio à tona,
olhei para aquele sofrido pedaço de gente.Notei que aquele olhar infantil
assustado temia as explosões de uma luta grandiosa que apenas começava, e
então, ajoelhando-me a sua frente, confesso que penalizado, também chorei...
Álvaro Basile Portughesi
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