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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O Remorso

Logo após a crucificação de Jesus, seus discípulos passaram a se reunir na modesta casa de Pedro. Os resultados obtidos quanto à divulgação do Evangelho, durante aquele curto período, foram relativamente satisfatórios, pois se limitaram, até então, a visitação pelas aldeias vizinhas, onde os feitos do Mestre ecoaram, mas tornava-se necessária uma expansão maior de atuação, exigindo de cada um dos apóstolos, uma gama acentuada de sacrifícios.              

                                                                                         
Malgrado as perseguições do Sinédrio, comandadas por Saulo de Tarso, as catacumbas garantiam-lhes alguma segurança. Espiões do Império vasculhavam as áreas suspeitas onde se celebravam cultos a Doutrina do Nazareno, mas, dedicados guardiões postados à frente dos grandes subterrâneos encarregavam-se do alerta diante de uma eventual  aproximação da guarda palaciana.
Era crescente o número de adeptos simpáticos aos preceitos deixados pelo Carpinteiro de Nazaré. Cada vez mais o povo buscava junto aos discípulos os sublimes ensinos que haviam absorvido em companhia do Mestre. O trabalho intensificava-se pois aquela gente sofrida carregava problemas de toda a sorte principalmente enfermidades graves aliadas às  carências de pão e agasalho.
Apesar de todo o esforço despendido, gerador de visível cansaço estampado nos semblantes dos apóstolos, Tiago e Filipe exibiam uma disposição que contagiava os demais, conclamando a todos ao serviço edificante.
As novas idéias que tornariam mais efetivas a Sublime Semeadura estabeleciam nos corações dos servidores ânimo que inundava o ambiente, parecendo um grupo de crianças valorizando a primeira empreitada.
Os missionários deixavam transparecer determinação e boa vontade, com exceção de Pedro que revelava extremo desânimo. Seus companheiros de apostolado embora estranhassem o comportamento do velho missionário, não se atreviam a inquiri-lo a respeito, tal a ascendência moral que o pescador exercia sobre os demais.    
              A maioria julgava que a idade avançada já o impedia de atuar nas excursões cansativas que a propagação do Evangelho exigia, entretanto, considerações menos benevolentes vinham à baila: 
-Creio que a partida de Jesus tenha desmotivado Pedro no prosseguimento quanto aos trabalhos concernentes a Boa Nova- Sussurrou Tiago reportando-se a Filipe –Trabalhar ao lado do Mestre tornava-se de certa forma confortável, porém agora com sua ausência conheceremos o grau de determinação de cada um frente às próprias obrigações.   
          -Se na verdade tal fato estiver ocorrendo, temos que nos apressar em chamá-lo a responsabilidade e se caso for necessário colocaremos 
 alguém para substitui-lo na dura empreitada.-Arriscou preocupado Filipe a meia voz.
Pedro sentia-se extremamente deslocado dentro de sua própria casa. Destoava dos demais e envergonhado com o próprio comportamento, deixou a sala dirigindo-se ao quintal.
O velho apóstolo sentou-se, recostando a cabeça na árvore centenária, entregando-se a profundas reflexões. As alegrias de haver sido abordado pelo Mestre enquanto pescava, foram substituídas por lágrimas ardentes que escorriam, assomando as longas barbas encanecidas. Sentia saudades do Nazareno, remoendo preocupação ao relembrar Suas palavras, que dissera diante dos outros discípulos: “Pedro tu és pedra e sobre ti erguerei o meu Reino!” 
Naquele instante Pedro já não conseguia divisar com clareza os astros que pontilhavam o firmamento. Seus olhos que o pranto inundara somente registravam um clarão tal e qual o branco lençol semelhante à Via Láctea. Guardava a impressão de estar ouvindo mavioso som Divino executado por mãos celestiais. Bailava na atmosfera altivo perfume, tal e qual sentira exalar do Cristo nas memoráveis pregações junto às margens do Tiberiades.  
Nesse deslumbramento teve diante dos olhos um quadro maravilhoso, onde estrelas depois de se agruparem tomaram a forma de uma cruz que se projetou em sua direção. 
O velho pescador de Cafarnaum debruçou-se sobre os joelhos chorando convulsivamente. Ao erguer o olhar divisou a imagem do Sublime Amigo que após acariciar suas brancas madeixas disse:
“Pedro retoma o bom ânimo, recolha as minhas sementes e saia a semear, os famintos que virão no fim dos tempos, se fartarão dos frutos de teu plantio”. 
             -Mestre!-exclamou o discípulo chorando - estou perdido, vivo qual barco sem rumo em meio à tempestade!Desde daquele momento em que Te neguei, não consigo falar em teu nome para ninguém. Sinto-me por demais envergonhado. Sou um inútil !
             Nesse instante o velho pescador ouviu dos lábios de Jesus um sublime ensinamento, lição que aproveitara para levar em favor dos    caídos, que alegavam desânimo, atribuindo-o aos próprios erros do passado. 
             “Pedro levanta-te! Se passares as horas lamentando o fato de me haver negado por três vezes, quando encontrarás tempo para ajudar àqueles que me negam a cada instante?” 

Alvaro Basile Portughesi




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